
Foto: Lucas Moratelli (Observatório do SUS/ENSP/Fiocruz)
A Oficina do Observatório de Análise Política em Saúde (ISC/UFBA), realizada no pré-congresso do 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrasco), retomou na manhã de hoje (28/11) um processo iniciado no 5º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, em Fortaleza. O encontro reuniu representantes de diversas iniciativas e contou com a presença do Observatório do SUS (ENSP/Fiocruz), além do Observatório da Região Metropolitana de Saúde, do Observatório da Saúde da População Negra, do Observatório da Desprivatização do Sistema de Saúde e de outras redes de pesquisa. A articulação entre essas experiências reforça o papel dos observatórios como espaços de produção de conhecimento e de incidência sobre o SUS e a política de saúde no país.
A abertura, conduzida por Monique Azevedo Esperidião (ISC/UFBA/OAPS), destacou como as experiências de observatórios têm se mostrado fundamentais para qualificar análises e fortalecer intervenções no debate público. Monique apresentou o formato da atividade e ressaltou a diversidade das iniciativas presentes.
Na sequência, a mesa mediada por Ana Luiza D’Ávila Viana (USP) introduziu a discussão sobre os desafios da atual conjuntura política e sanitária e o papel dos observatórios. Ana Luiza ressaltou o interesse crescente pelo tema e a expansão dessas experiências no Brasil nos últimos 15 a 20 anos, chamando atenção para a necessidade de sistematizar aprendizados, dilemas e desafios comuns.
O expositor da manhã, Luís Eugênio de Souza (ISC/UFBA), iniciou sua fala afirmando que oficinas como esta representam uma oportunidade importante para refletir coletivamente sobre os desafios da conjuntura política e sanitária, abordando a noção de crise orgânica, o esgotamento do modelo neoliberal, as ameaças à democracia, os impactos da crise climática e da reconfiguração geopolítica, além do contexto de inovação tecnológica e do histórico contexto das desigualdades sociais.
Ao analisar o contexto atual, abordou o esgotamento do neoliberalismo, evidenciado pela financeirização da economia, em que o lucro deixa de depender da produção de bens e serviços e passa a se apoiar majoritariamente no crédito.
Ele relacionou esse processo ao setor da saúde, marcado pela presença de oligopólios e fundos de investimento, um dos segmentos mais importantes da economia e concentrado nas mãos de um grupo reduzido de investidores. Em seguida, tratou da reconfiguração geopolítica, apontando o enfraquecimento do sistema multilateral, a fragilidade da cooperação internacional em vigilância e resposta e o aumento das desigualdades de acesso a insumos e tecnologias, com impactos diretos para a soberania sanitária e tecnológica.

Luís Eugênio também caracterizou a crise climática como resultado de um modelo de desenvolvimento ambientalmente predatório, trazendo efeitos significativos para a saúde. Situando o debate sobre as inovações tecnológicas no contexto mais amplo da saúde global, contrapondo abordagens tecnicistas e biomédicas a perspectivas sociais e holísticas voltadas à promoção da saúde, ao enfrentamento das desigualdades e às transformações estruturais necessárias para redistribuição de poder e riqueza.
No conjunto de desafios, chamou atenção para o subfinanciamento do sistema e para a relação público-privada, lembrando que grande parte do setor privado da saúde depende diretamente de recursos públicos, seja via incentivos fiscais, seja pelo uso dos serviços do SUS sem o devido ressarcimento.
Destacou também o papel crescente das health techs, a necessidade de enfrentar as fragilidades da governança federativa, discutir a regionalização e fortalecer o complexo econômico-industrial da saúde para que produza conforme as necessidades sociais. Afirmou que “o SUS não será uma ilha de universalização em meio às desigualdades”.
No debate, foi destacada a importância de manter atualidade nas análises, acompanhar de perto a conjuntura e construir agendas estratégicas que deem maior visibilidade aos observatórios, inclusive para além da academia, dialogando com o Executivo, os movimentos sociais e a população. Observatórios precisam ser oportunos, incidir sobre a conjuntura e articular diferentes atores.
A oficina seguiu no período da tarde com o tema “Colaboração interinstitucional entre os Observatórios: caminhos para a consolidação e sustentabilidade”, mediado por Leonardo Vidal Mattos (IESC/UFRJ). A discussão se concentrou na necessidade de fortalecer a cooperação entre as iniciativas, ampliar o alcance das análises para a população e aprimorar os mecanismos de articulação política, condição essencial para aumentar a incidência dos observatórios na conjuntura.
Um dos focos centrais foi a construção de uma agenda propositiva para 2026, que permita alinhar esforços e definir prioridades comuns frente aos desafios do SUS. Nesse sentido, avançou-se na proposta de criação de um grupo de coordenação geral entre os observatórios e de um grupo de coordenadores de comunicação, com o objetivo de qualificar a divulgação das análises, ampliar a presença pública das iniciativas e fortalecer o diálogo com diferentes atores institucionais e sociais.
Também foi pactuada a realização de um novo encontro no início de 2026 voltado ao aprofundamento dessa agenda colaborativa. Entre as propostas encaminhadas, destacou-se ainda a criação de um fórum de jornalistas, pensado como espaço de aproximação entre profissionais da comunicação e os observatórios, ampliando a circulação das análises e favorecendo a inserção qualificada dos temas da saúde pública no debate.
Por Júlia da Matta
Fotos: Lucas Moratelli
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