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Especialistas e gestores debatem consórcios públicos e a regionalização do SUS para uma gestão cooperativa 

Por Observatório do SUS

O Seminário Nacional de Consórcios Públicos e Regionalização do SUS, realizado nos dias 24 e 25 de fevereiro de 2025 na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), no Rio de Janeiro, marcou um momento de reflexão sobre o papel dos consórcios públicos na organização e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). O evento reuniu gestores públicos, pesquisadores, trabalhadores da saúde, representantes de consórcios e acadêmicos em um diálogo profundo sobre as contribuições, desafios e inovações desses arranjos cooperativos no contexto federativo brasileiro. Com uma programação rica em debates e apresentações técnicas, o seminário evidenciou como os consórcios podem ser instrumentos fundamentais para a gestão integrada e regionalizada da saúde. 

Desde sua criação na segunda metade dos anos 1980, os consórcios públicos têm sido vistos como mecanismos inovadores para superar as limitações estruturais dos municípios brasileiros, especialmente aqueles de menor porte. Durante a mesa de abertura, Ana Luiza D’Avila, coordenadora da Plataforma Região e Redes, destacou que “os consórcios surgiram como resposta às necessidades locais e regionais, promovendo ganhos de escala e otimizando recursos”. Essa perspectiva foi ampliada por Maria da Conceição de Souza Rocha, secretária de saúde com mais de 26 anos de experiência, ao afirmar que “antes dos colegiados de gestão regional, sentíamos muita necessidade de um espaço de discussão entre os secretários para resolver dificuldades comuns”. Esse histórico demonstra que os consórcios não apenas atendem demandas práticas, mas também constroem pontes entre os entes federativos. 

No entanto, como apontado por Lisandro Lui, professor da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), “os consórcios não podem perder seu caráter inovador e se tornarem meros instrumentos de implementação de políticas públicas definidas pela União”. Sua análise crítica sublinha a importância de preservar a autonomia dos consórcios enquanto espaços deliberativos locais capazes de responder às especificidades das regiões. 

Desafios na governança regional 

Um dos temas centrais do evento foi a governança regional e a cooperação interfederativa. Luciana Dias Lima, coordenadora da pesquisa nacional sobre consórcios públicos de saúde, trouxe à tona dados importantes sobre a participação dos consórcios nas instâncias decisórias. Segundo ela, “apenas 15% dos consórcios participam regularmente das Comissões Intergestoras Bipartite (CIBs), enquanto 52% não participam”. Essa lacuna revela uma desconexão entre os consórcios e as estruturas formais de governança, comprometendo a articulação entre diferentes níveis de governo. 

Esse desafio foi corroborado por Rosângela Belo, secretária executiva do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense (CISBAF), do Rio de Janeiro, que destacou a burocracia como um obstáculo à integração entre atenção básica e especializada. “A estrutura organizacional é muito fragmentada; a atenção básica não conversa com a atenção especializada”, disse ela, enfatizando a necessidade de modelos de gestão que facilitem a jornada do paciente. Nesse sentido, os consórcios são vistos como potenciais mediadores dessa integração, mas ainda enfrentam barreiras institucionais e financeiras. 

Inovações e experiências exitosas 

Apesar dos desafios, várias experiências bem-sucedidas foram apresentadas durante o evento. A representante do Ceará, Madeline Amorin, por exemplo, mencionou que “o governo estadual montou uma estrutura administrativa específica para cuidar dos consórcios”, algo que contrasta com a realidade de outros estados, como o Rio Grande do Sul, onde há uma “ausência de coordenação e cooperação”, conforme apontou o professor Lisandro Lui. Essa diferença ilustra como o engajamento do Estado pode influenciar positivamente a sustentabilidade dos consórcios. 

Outro destaque foi o modelo de regulação adotado em Santa Catarina, apresentado por Frances Mari, diretora executiva do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Amurel. Ela explicou que “nos consórcios prestadores de serviços, a regulação é responsabilidade do próprio consórcio, enquanto nos consórcios que contratam serviços, a responsabilidade recai sobre o município”. Essa diferenciação reflete uma preocupação com a transparência e a eficiência, garantindo que as filas sejam únicas e alinhadas às diretrizes do SUS. 

Financiamento e sustentabilidade 

O financiamento emergiu como um dos principais gargalos discutidos no seminário. Luis Eugênio Portela de Souza, ao abordar os efeitos econômicos dos consórcios, ressaltou que “os gastos têm crescido continuamente, e o Estado está agora aportando mais recursos, mas a tendência de crescimento persiste”. Essa situação levanta questões sobre a viabilidade financeira dos consórcios a longo prazo, especialmente diante da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). 

Ao final do evento, ficou evidente que os consórcios públicos são peças-chave para a regionalização do SUS, mas seu pleno potencial só será alcançado com maior articulação entre os entes federativos, melhorias no financiamento e fortalecimento da participação social. Como destacou Luciana Dias Lima, “os consórcios têm um papel estratégico, mas precisamos avançar na construção de uma agenda comum que reconheça suas especificidades”. 

O seminário encerrou com uma convocatória para a continuidade desses debates, reforçando a necessidade de estudos e políticas públicas que consolidem os consórcios como instrumentos democráticos e eficazes de gestão. A frase final de Maria da Conceição sintetiza o espírito do encontro: “Temos um potencial enorme para atuar na regionalização do SUS, mas isso exige compromisso coletivo e visão de futuro”. 

Assim, o evento não apenas reiterou a relevância dos consórcios públicos, mas também lançou luz sobre os caminhos a serem trilhados para transformar esses arranjos em pilares duradouros do sistema de saúde brasileiro. Confira aqui as apresentações dos palestrantes nos painéis, que trouxeram grandes contribuições para o debate. 

Acesse a cobertura completa da 1ª Mostra de Experiências e Estudos sobre Consórcios Públicos e Regionalização do SUS, que reuniu 78 trabalhos selecionados, entre relatos de experiências (54) e resultados de estudos (24), evidenciando a pluralidade de iniciativas desenvolvidas em diferentes regiões do país.   

Assista à transmissão completa do Painel I | Consórcios Públicos de Saúde – evolução e contribuições para a gestão e organização regional de serviços de saúde 

Assista à transmissão completa do Painel II | Consórcios Públicos no processo de governança regional em saúde

Sobre o Seminário   

Instituições Promotoras:   
Observatório do SUS (ENSP/Fiocruz)   
Plataforma Região e Redes   
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz)

Apoio e Fomento 
O evento contou com o apoio das seguintes instituições: 
CAPES: Programa de Apoio a Eventos no País 
Fiocruz: Programa Fiocruz de Fomento à Inovação – INOVA FIOCRUZ 
FAPERJ: Programa Cientista do Nosso Estado 

Por Davi Carvalho (Plataforma Região e Redes) 

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