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Observatório do SUS promove debate sobre construção do comum e relação público-privada na saúde

Por Observatório do SUS

Evento reuniu especialistas e pesquisadores para discutir desigualdades, financiamento e os rumos do SUS em 2025.

O Observatório do SUS, em parceria com a coordenação do Mestrado Profissional em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde (ENSP/Fiocruz), promoveu, na última quarta-feira (01/10), o seminário o seminário “SUS em 2025: instrumento ou produto da democracia e da política”, realizado no auditório da ENSP. O evento reuniu especialistas, gestores e pesquisadores para debater os desafios contemporâneos do Sistema Único de Saúde, analisando a construção do comum em meio à diversidade diante das desigualdades, bem como os rumos da relação entre os setores público e privado e seus impactos para o sistema público de saúde brasileiro.

Na abertura do evento, Eduardo Melo, coordenador do Observatório do SUS e vice-diretor da Escola de Governo em Saúde da ENSP, destacou que a atividade integra a agenda de compromissos do Observatório voltada para análise de desafios estruturais do Sistema Único de Saúde. “Desde a criação do Observatório, há dois anos, temos buscado enfrentar temas muito atuais, que estão na agenda do SUS tanto enquanto política pública quanto como desafios a superar”, afirmou.

Mariana Albuquerque, pesquisadora da ENSP e integrante da coordenação do Mestrado Profissional em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde (ENSP/Fiocruz), destacou a pertinência das mesas para a formação dos gestores e gestoras que integram a turma do curso. “A diversidade e a desigualdade atravessam diretamente os objetos de estudo e a gestão federal do SUS, representando grandes desafios. A relação entre o público e o privado, por sua vez, acompanha a própria história do Sistema Único de Saúde e se mostra cada vez mais complexa”, afirmou.

Marco Menezes, diretor da ENSP, destacou o caráter político do Observatório do SUS, como um projeto da escola voltado a incidir nos debates mais relevantes para a saúde pública. O diretor ressaltou a importância de discutir a soberania nacional em saúde e os desafios da relação entre os setores público e privado como questões centrais para o futuro do SUS.

Construção do comum na diversidade e diante das desigualdades

A primeira mesa temática, coordenada por Marilene Castilho, pesquisadora titular aposentada da ENSP, contou com as exposições de Giuseppe Cocco, professor titular da UFRJ e Maria Inês da Silva Barbosa, professora da UFMT, abordando a complexa tarefa de construir o comum frente às profundas desigualdades brasileiras.

Giuseppe Cocco analisou as transformações do capitalismo contemporâneo e seus efeitos sobre as políticas do comum, discutindo como a precarização do trabalho e a “uberização” impactam diretamente a cidadania. Segundo o professor, “estamos diante de um capitalismo que precariza, fragmenta e cria novas formas de exploração. É nesse contexto que precisamos repensar o que significa construir o comum.” Utilizando a metáfora da colmeia e da polinização, destacou a necessidade de repensar a proteção social em bases que reconheçam novas formas de trabalho e circulação social.

A professora Maria Inês trouxe para o centro do debate a questão racial como determinante fundamental das desigualdades. Criticou a persistência de lógicas racistas nas políticas de saúde e apresentou dados sobre os anos de vida produtivos perdidos, revelando a profundidade do impacto da violência e do racismo estrutural sobre a população negra. “Enquanto a população branca perde, em média, 189 anos, a população negra perde 753 anos. Como posso discutir novas fases se estou deixando de existir?”, provocou.

Relação público-privada e os rumos do SUS

A segunda mesa, coordenada por Fabíola Sulpino, coordenadora de saúde na Diretoria de Estudos e Políticas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), debateu os caminhos do SUS na complexa relação com o setor privado, com participação de Helvécio Miranda Magalhães Júnior, professor da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e consultor da OPAS, e Lígia Bahia, professora titular da UFRJ.

Helvécio Magalhães apresentou um diagnóstico detalhado do financiamento do SUS e da presença privada no sistema. Alertou que no Brasil 45% do gasto em saúde é público e 55% é privado, o que torna desafiador assegurar a universalidade do SUS. Ele destacou a dependência da rede privada na atenção especializada e criticou ainda a persistência do modelo liberal e médico-centrado.

Lígia Bahia analisou o grau de privatização da saúde brasileira, afirmando que o país possui um dos sistemas mais privatizados do mundo. De acordo com a professora, “60% do financiamento em saúde no Brasil é privado, e 60% da força de trabalho também. Esse é um dos maiores entraves para consolidar um sistema público de fato universal”. Lígia avaliou ainda o programa Agora Tem Especialista como uma política com potencial desprivatizante, mas alertou para os riscos de retrocessos caso não haja clareza na sua implementação.

Desafios e perspectivas

O seminário evidenciou a complexidade dos desafios do SUS em sua consolidação como sistema público universal. De um lado, a necessidade de enfrentar desigualdades históricas profundas que impactam diretamente a vida e a saúde da população; de outro, o desafio de redefinir a relação com o setor privado de forma a não comprometer os princípios de universalidade, integralidade e equidade.

O financiamento apareceu como questão central, diante da crônica insuficiência de recursos públicos frente às necessidades da população. Ao mesmo tempo, a discussão da manhã destacou que a construção do comum, como projeto societário e político, exige não apenas políticas redistributivas, mas também o reconhecimento da diversidade e o enfrentamento das desigualdades como valores estruturantes.

O evento reforçou a importância de debates e da produção de evidências para orientar políticas de saúde em um cenário marcado por mudanças nas relações público privadas, transformações tecnológicas e desafios políticos e econômicos que atravessam a sociedade brasileira.

Assista abaixo à transmissão completa das mesas do Seminário.

Como construir o comum na diversidade e diante de desigualdades?

Entre o público e o privado: para onde vai o SUS em 2025?

por Júlia da Matta


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