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Observatório do SUS participa da mesa sobre Agora Tem Especialistas no lançamento do Observatório da Desprivatização no 14º Abrascão

Por Observatório do SUS

O lançamento oficial do Observatório da Desprivatização da Saúde, realizado neste sábado (29/11) durante o 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva da Abrasco, incluiu uma mesa dedicada ao debate sobre o Programa Agora Tem Especialistas. A atividade reuniu pesquisadores, gestores e representantes de instituições acadêmicas para discutir os caminhos, limites e disputas que atravessam a organização da atenção especializada no SUS. O Observatório do SUS (ENSP/Fiocruz) participou da mesa por meio do pesquisador Eduardo Melo.

A discussão foi mediada por Leonardo Mattos, coordenador do Observatório da Desprivatização da Saúde. A mesa teve início com a apresentação de Rodrigo Oliveira, diretor de Programa da Secretaria de Atenção Especializada do Ministério da Saúde (SAES/MS), que apresentou os principais eixos do Agora Tem Especialistas, explicando sua estrutura, diretrizes e estratégias para ampliar e reorganizar a oferta de consultas, exames e cirurgias especializadas no país. Rodrigo detalhou as modalidades de prestação, os critérios de programação estadual, a forma de registro da produção e a priorização de áreas como cirurgias, cuidados integrados e oncologia.

Rodada de comentários

A primeira comentarista, Ana Tereza Camargo (Cebes) destacou a relevância do programa no contexto atual e a pertinência de retomar o debate sobre o papel da atenção especializada no fortalecimento do SUS. Ela ressaltou a importância de que o Ministério da Saúde acompanhe e dialogue com o Observatório da Desprivatização da Saúde, destacando o potencial da iniciativa para qualificar o monitoramento das políticas e fortalecer a análise crítica sobre as transformações em curso.

A pesquisadora Catharina Soares (ISC/UFBA/OAPS) reforçou que, na sua avaliação, a atenção ambulatorial especializada constitui o grande foco. Ela destacou que compreender esse componente é essencial para avaliar a reorganização dos serviços, e ressaltou, assim como Ana Tereza, a importância de que o Ministério da Saúde considere as análises produzidas pelo novo Observatório da Desprivatização da Saúde. Na sua fala, reconheceu o valor da iniciativa para registrar e interpretar as mudanças em curso e para manter o debate público qualificado.

Representando o Observatório do SUS (ENSP/Fiocruz), Eduardo Melo ressaltou que o tempo de espera para acesso a cuidados especializados é central para a população, destacou que a atenção especializada no país é “majoritariamente privada”, além de indicar que o olhar sobre a relação demanda-oferta nesta área deve evitar os extremos do preventivismo e das visões médico-centradas.

Eduardo apontou como elementos centrais a efetiva superação de modelos de pagamento por procedimento (como as OCI do PMAE e ATES) sem perder de vista o peso do gasto e participação públicas diante do mercado privado, além das diferenças internas dentro do setor privado. Ele sublinhou que, apesar de estratégias no ATES serem inovadoras e necessárias (como as que incidem sobre dívidas tributárias e complementação da oferta), é essencial manter atenção permanente sobre a relação público-privada, especialmente em áreas onde a oferta pública é insuficiente, colocando o interesse público acima dos privados e ampliando, concomitantemente, a oferta pública de atenção especializada.

Encerrando a rodada, Lígia Bahia (GPDES/IESC-UFRJ) destacou que o programa acerta ao estabelecer prioridades epidemiológicas, sobretudo no câncer, mas criticou a ausência da saúde mental. Chamou atenção para os limites orçamentários e para a necessidade de ter resultados reais, como estadiamento precoce do câncer e redução de mortalidade em cirurgias cardíacas. Comentou que a conversão de dívidas em serviços é uma estratégia “sagaz e necessária”, embora insuficiente para alcançar a magnitude dos desafios. Lígia também abordou a relação com planos de saúde, a urgência de revisar o modelo de ressarcimento ao SUS e a necessidade de equipes completas, e não apenas médicos, para garantir qualidade. Alertou ainda para o uso eleitoral de unidades móveis e defendeu planejamento estruturado para o país.

Lançamento do Observatório da Desprivatização da Saúde

Após o debate, teve início o lançamento do Observatório da Desprivatização da Saúde. Leonardo Mattos apresentou os objetivos da nova iniciativa, formada por um grupo de pesquisadores dedicados a produzir análises, monitorar processos de privatização e intervir no debate público sobre relações público-privadas na saúde. Ele apresentou o fundamento teórico baseado na economia política da saúde, ressaltando a necessidade de consolidar o conceito de desprivatização como perspectiva estratégica para sistemas universais.

Na sequência, Danielle Conte, pesquisadora associada, apresentou o painel em desenvolvimento que orientará as análises do Observatório. Ela explicou que as dimensões avaliadas, como oferta, produção, financiamento, cobertura de planos e força de trabalho, compõem o conjunto de indicadores que permitem situar municípios no espectro entre modelos mais públicos ou mais privatizados. Detalhou também os serviços considerados nas análises, como leitos, cirurgias, equipamentos, transplantes e outros componentes estruturais.

A pesquisadora Jéssica Pronestino apresentou análises preliminares das dimensões avaliativas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com foco nos municípios de Niterói e Maricá, selecionados por apresentarem gestões progressistas de longa data e beneficiados pelos royalties de petróleo. Comentou a tendência observada em relação aos leitos públicos e privados por meio do método joinpoint, explicando que ele descreve tendências e pontos de inflexão, mas pode ser sensível à eventual subnotificação. Ela ressaltou os próximos encaminhamentos, como relacionar essas tendências aos desfechos em saúde, especialmente a mortalidade precoce, a partir de modelos causais robustos.

O pesquisador Frederico Haddad (FDUSP/UFMA) discutiu transformações no mercado de saúde suplementar e suas implicações para o SUS. Apresentou dados sobre concentração, verticalização, conglomerados hospitalares e as formas como diferentes grupos privados se relacionam com o sistema público. Destacou dados comparativos, como o caso Rede D’Or versus Hapvida, evidenciando diferenças de uso do SUS, vínculos profissionais, tíquete médio e comportamento de dívidas.

Encerrando o lançamento, o pesquisador associado Lucas Andrietta (USP) apresentou a nota técnica inaugural do Observatório da Desprivatização, que sistematiza medidas iniciais do Programa Agora Tem Especialistas e propõe diretrizes de monitoramento. Lucas detalhou categorias analíticas, como reorganização da oferta, uso de dívidas e créditos, variações de preços e impacto nos orçamentos públicos, além de apontar os próximos passos, incluindo novas notas técnicas, aprimoramento metodológico e aprofundamento das análises sobre o Fundo de Infraestrutura Social (FIIS-Saúde).

Participação do Observatório do SUS

A participação do Observatório do SUS na mesa dialoga com sua agenda recente de análises sobre o Programa Agora Tem Especialistas e com um conjunto mais amplo de iniciativas voltadas ao acompanhamento crítico das políticas estruturantes do SUS. Em outubro de 2025, o Observatório organizou o seminário “O SUS em 2025”, que incluiu a mesa “Entre o público e o privado: para onde vai o SUS em 2025?”, com a participação de Helvécio Miranda e Lígia Bahia, aprofundando os desafios da relação público-privada no sistema.

Em junho, logo após o lançamento do Agora Tem Especialistas por medida provisória, o Observatório realizou entrevistas com gestores e especialistas sobre o programa e promoveu uma oficina interna com pesquisadores da ENSP e da Fiocruz dedicada ao tema.

Essa agenda recente se articula a esforços anteriores, como a apresentação de Helvécio Miranda no seminário de regionalização realizado no final de 2023, quando discutiu elementos centrais da Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde (PNAES). As contribuições apresentadas na mesa e nas demais atividades e publicações reforçam esse esforço contínuo de produção crítica, sistematização e acompanhamento das políticas estruturantes do SUS.

Por Júlia da Matta
Fotos: Lucas Moratelli


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