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Experiências e desafios na implementação de carreiras no SUS entram em pauta

Por Observatório do SUS
Foto: Virginia Damas (ENSP/Fiocruz)
Foto: Virginia Damas (ENSP/Fiocruz)
 

A situação, perspectivas e desafios da atuação profissional no SUS foram amplamente discutidos no seminário “Carreiras no SUS: Obstáculos e Alternativas”. Promovida pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e pela Abrasco, a iniciativa integra as atividades do Observatório do SUS, da ENSP, e ocorreu na segunda-feira, 11 de março de 2024, na Escola de Saúde Pública. Ao longo do dia, o evento reuniu professores, pesquisadores, gestores, estudantes e profissionais. O encontro encerrou a série de três seminários para promover produções propositivas sobre desafios estruturais do SUS. Nas edições anteriores, os temas debatidos foram o financiamento do SUS e a regionalização da política de saúde. 

Na abertura das atividades, o vice-diretor da Escola de Governo em Saúde e coordenador do Observatório do SUS da ENSP, Eduardo Melo, destacou a importância do encontro para apontar caminhos que fortaleçam o trabalho dos profissionais de saúde e, consequentemente, o SUS. “As carreiras públicas no SUS são importantes para garantir acesso e continuidade de cuidados longitudinais, impossíveis de se fazer com a instabilidade de vínculos e dos profissionais, e são importantes também para garantir uma inteligência sanitária do sistema”, detalhou.  

A programação do seminário foi dividida em dois momentos: mesas-redondas pela manhã e grupos de trabalho pela tarde. Essa organização foi pensada com o objetivo de aprofundar as discussões e elaborar proposições contando com a expertise e experiência de diferentes atores, consolidando estas contribuições num relatório com os elementos debatidos e estratégias propostas para o enfrentamento das problemáticas identificadas. 

A presidente da Abrasco, Rosana Onocko Campos, enfatizou o potencial de se discutir a implementação de carreiras no SUS: “Em agosto de 2022, quando a gente organizou a 1ª Conferência Livre, Democrática e Popular, houve uma grande discussão sobre quais seriam os pontos que entregaríamos na carta ao então candidato Lula, e eu lembro da batalha interna de colocar ou não colocar o tema de carreira, e o tema de carreira entrou na carta e o presidente se comprometeu a defender as diretrizes colocadas na carta”, declarou. 

O diretor da ENSP, Marco Menezes, destacou a abordagem de carreiras como um esforço de garantir dignidade aos trabalhadores do SUS. “É o momento de discutir as carreiras no SUS contra a privatização, a ‘pejotização’ e pela valorização dos profissionais”, afirmou. Também destacou a contribuição do seminário à Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação e Saúde, que ocorre em 2024: “Esse tema de carreiras, esse aprofundamento que faremos no debate vai contribuir para várias ações que são importantes neste momento em que estamos organizando a 4ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e da Educação e Saúde”, destacou. 

Carreiras no SUS: viabilidade e desafios 

Na primeira mesa temática do evento, os debates tiveram maior enfoque na discussão dos atuais desafios do trabalho no SUS, e para pensar a construção de carreiras no SUS que propiciem condições de trabalho dignas para as equipes e um ambiente para garantir os cuidados em saúde de forma acessível e com qualidade. Os trabalhos foram coordenados pela pesquisadora da ENSP/Fiocruz, Márcia Teixeira. Compuseram a mesa a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde , Isabela Cardoso de Matos Pinto; o professor associado do Instituto de Medicina Social da UERJ, Ronaldo Teodoro; e o professor e coordenador da Estação de Pesquisas de Sinais de Mercado e do Observatório de Recursos Humanos em saúde da UFMG, Sábado Nicolau Girardi. 

A pesquisadora Márcia Teixeira ressaltou a importância da participação do Ministério da Saúde nas discussões propostas pelo seminário: “Nunca contamos com informações, trazidas pelo Ministério da Saúde, tão organizadas pra gente pensar, sonhar e desenvolver uma política de gestão do trabalho responsável e consequente, pois desde a implementação do SUS desejamos carreiras e relações de trabalho dignas para os nossos trabalhadores”, pontuou. 

Coube a Isabela Cardoso de Matos Pinto inaugurar os debates e apresentar a análise da equipe do Ministério sobre o cenário dos profissionais do SUS atualmente, que sofreram com a desregulamentação da proteção do trabalho e consequente precarização, muito intensificadas nos últimos anos. 

A gestora ressaltou a importância do evento, especialmente o caráter plural, que contribui para aprimorar políticas públicas. “Nós temos feito um movimento de consolidação de uma grande rede colaborativa para os debates complexos. Não dá para discutir um tema como esse sem a participação dos trabalhadores, dos gestores e portanto das pessoas que estão assumindo posições e formulando políticas e diretrizes para o SUS”, afirmou Isabela. 

Logo depois, foi a vez do professor Ronaldo Teodoro dar suas contribuições. Ele destacou a centralidade do trabalho para a construção do SUS e a necessidade de um pacto federativo para compor a remuneração dos trabalhadores, especialmente de municípios menos favorecidos com a arrecadação. “Ocorre a expansão dos vínculos flexíveis, alta rotatividade dos trabalhadores, que convergem na instabilidade do serviço”. O professor também salientou a importância de entendermos o tema das carreiras não de modo corporativo, mas como um bem público na consolidação da nossa democracia: “O que eu estou buscando formular aqui é como o trabalho não é uma questão puramente corporativa, ele tem externalidades amplas, ele atinge o coração do bem público. É esse o sentido do trabalho pra construção da democracia contemporânea, da cidadania e do interesse público. Esse entendimento do trabalho como pauta puramente corporativa é um dos grandes avanços do neoliberalismo sobre o campo da saúde, e isso desarticula a nossa condição de planejarmos e organizarmos a nossa luta”, concluiu. 

O coordenador da Estação de Pesquisas de Sinais de Mercado e do Observatório de Recursos Humanos em saúde da UFMG, Sábado Nicolau Girardi, encerrou a primeira mesa temática do Seminário. O pesquisador enfatizou a importância do movimento da Reforma Sanitária no Brasil, que culminou na criação e consolidação do SUS, mas, em contrapartida, destaca que o Brasil sofreu uma espécie de contrarreforma liberal, que abriu o mundo do trabalho para a exploração, atingindo em cheio os trabalhadores da Saúde. “Nós temos que pensar um SUS de qualidade e numa carreira e conjunto de trabalhadores envolvidos que tenham incentivos e interesses. Fazer carreira é investimento. Precisamos também investir na qualificação da força de trabalho”, destacou. 

Alcances e Limites de alternativas e experiências de constituição de carreira no SUS 

As experiências e alternativas para viabilizar e sustentar carreiras no SUS foram os temas centrais da segunda mesa. A  coordenadora do GT Trabalho e Educação da Abrasco, Janete Lima de Castro, conduziu o debate. Os convidados foram o professor da Unicamp e ex-presidente da Abrasco, Gastão Wagner de Sousa Campos; o professor da UFBA, Hêider Aurélio Pinto; e a diretora de Gestão de Pessoas da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), Luciana de Gouvêa Viana. 

O professor Gastão Wagner abordou os desafios políticos e técnicos que envolvem o redesenho de carreiras do SUS e a necessidade de desconstruir a ideia da terceirização como alternativa positiva. “A gente não vai conseguir mudar a política e a gestão de pessoal e criar carreiras para o SUS se junto com esse movimento não fizermos o movimento de defesa do SUS e humanização do SUS, de defesa também do usuário. A carreira é a qualificação do SUS. Eu defendo que a gente tenha um projeto maximalista, um projeto de carreiras para o SUS considerando onde queremos chegar, e que a gente comece a ser coerente a partir de agora. Eu defendo que as carreiras, as diretrizes gerais, sejam implementadas através de concurso público, estatutário do SUS. Eu defendo essas carreiras interprofissionais e defendo estender benefícios às carreiras da atenção primária”, explicou Gastão. 

O pesquisador Hêider Aurélio Pinto continuou o debate e apresentou experiências de carreiras já adotadas no Brasil, analisando sua viabilização e limites. “O foco deve ser em aprendizados com experiências que buscam enfrentar alguns desafios do SUS. São elementos como gestão, relações interfederativas, financiamento e governança, para pensar nos avanços e obstáculos, bem como a viabilidade”, detalhou.  

Foram cinco as experiências apresentadas pelo pesquisador: o Novo Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos de Aracaju, de abrangência e administração direta municipais (2003 – 2004); a Fundação Estatal Saúde da Família (FESF – SUS) e seu Plano Empregos, Carreira e Salário para a APS, de abrangência estadual e administração indireta interfederativa (2009 – 2010); os Consórcios Interfederativos – Policlínicas do Ceará e da Bahia, de abrangência regional e administração indireta interfederativa (2010); a Agência de Desenvolvimento da Atenção Primária em Saúde (Adaps), de abrangência nacional (2020); e as Fundações Estatais de Volta Redonda (AB&AE e UE&H), de abrangência e administração indireta municipais (2024). 

A diretora de Gestão de Pessoas da EBSERH, Luciana de Gouvêa Viana, encerrou as atividades da mesa e trouxe contribuições sobre a gestão de 41 hospitais universitários federais e quase 60 mil trabalhadores. A gestora enfatizou a importância de pensar um plano com uma boa remuneração: “Fizemos uma pesquisa e a mediana do mercado foi utilizada para parametrizar os salários”. A diretora também abordou a alta rotatividade em cargos cujos benefícios estão abaixo da média de mercado: “Com relação ao Plano de Cargos, Carreiras e Salários da EBSERH, a carreira de assistente administrativo é uma carreira muito ruim, comparando não só com a iniciativa privada mas com várias carreiras públicas. Isso é muito preocupante e repercute inclusive na nossa rotatividade. Nós temos a maior rotatividade da empresa justamente no assistente administrativo”. Luciana Viana não deixou de falar da dificuldade de contratar algumas especialidades médicas, entendendo que a terceirização não é o desejado pela EBSERH, mas a única alternativa que resta para não gerar desassistência: “Temos um desafio que é a contratação por conta da acumulação de vínculos. É muito comum o profissional chegar com pelo menos mais dois vínculos, um público e um privado, e temos limitações não só legais mas na composição da escala de trabalho. Também chamamos a atenção para a terceirização na área médica de algumas especialidades. Hoje temos contratos simplificados para Anestesiologia, Cirurgia Cardíaca, Cirugia Pediátrica e Neurocirurgia”, descreveu. 

Grupos de trabalho 

As discussões iniciadas com as mesas foram aprofundadas em grupos de trabalho no período da tarde do mesmo dia, avançando com a formulação de propostas que serão contempladas na redação final do relatório técnico do Seminário. 

O trabalho dos grupos foi realizado com base nas seguintes questões: 1) Como pensar o desenho, financiamento e gestão das carreiras no SUS?; e 2) Quais estratégias técnico-políticas podem ser pensadas para avançar a pauta e viabilizar as carreiras no SUS? 

A presidente da Abrasco, Rosana Onocko Campos, destacou que essa metodologia para o debate foi pensada para aproveitar as discussões ao máximo e celebrou a diversidade de pessoas no encontro. “Conseguimos dentro dos grupos de discussão pessoas que fazem parte do Ministério da Saúde, acadêmicos, representantes sindicais, do CONAS, da OPAS, essa diversidade é muito oportuna”, celebrou. As discussões propiciadas pelas mesas e oficinas do Seminário serão sistematizadas no relatório técnico final do evento, documento que tem como objetivo orientar a formulação de políticas públicas. 

Para saber mais, acesse a análise das questões discutidas na série Em debate e assista à transmissão completa das mesas temáticas:

Por Paulo Sabino

Colaboração: Abrasco


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