Em debate

Carreiras no SUS: Obstáculos e Alternativas

Por Observatório do SUS

Por Lucia Maria Dupret, Paulo Sabino e Rosana Kuschnir

Um dos desafios centrais à viabilidade e sustentabilidade do SUS é a gestão do trabalho, estratégica para a efetivação do direito à saúdeConsiderando seus impactos políticos, o trabalho como agenda não resolvida tem consequências diretas na garantia da atenção ao usuário, na diminuição da base de sustentação social do SUS e impõe ainda mais dificuldades à articulação federativa. 

Por isso, o Observatório do SUS, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), elegeu as “Carreiras No SUS: Obstáculos e Alternativas” como tema de seu terceiro seminário para debate acerca de questões estruturais para o SUS.  

Considerando a complexidade do tema, tanto do ponto de vista político como técnico, as discussões aprofundaram os condicionantes da gestão do trabalho no SUS e debateram possíveis cenários e propostas para a constituição e manutenção de carreiras.

O Seminário foi realizado com o objetivo de aprofundar os desafios da instituição e manutenção de carreiras no SUS e o de examinar obstáculos e possíveis alternativas. Os eixos temáticos foram trabalhados em duas mesas no período da manhã e levados ao debate nos grupos de trabalho a partir de duas questões norteadoras: 1) Como pensar o desenho, financiamento e gestão das carreiras no SUS?; e 2) Quais estratégias técnico-políticas podem ser pensadas para avançar na pauta e viabilizar as carreiras no SUS?. 

As mesas, abertas ao público e transmitidas em tempo real pelo canal do Youtube da ENSP/Fiocruz, contaram com cerca de 150 participantes presenciais e mais de 1.600 visualizações online até maio de 2024. Os grupos de trabalho foram compostos com participantes de diversas unidades da federação, envolvendo membros do executivo federal, gestores estaduais e municipais de saúde, pesquisadores de diferentes instituições, ativistas, além de representantes da Organização Panamericana de Saúde. 

O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SGTES), vem realizando diagnóstico e debate da situação da força de trabalho em saúde e, de acordo com a titular da Secretaria, Isabela Cardoso de Matos Pinto, existem mais de três milhões de trabalhadores na saúde e em torno 1,8 milhão no SUS, com 45%  dos seus vínculos caracterizados como precários. A própria definição de trabalhadores do SUS é central, na medida em que, de acordo com a NOB- RH, são todos aqueles que realizam ações e exercem as suas atividades em serviços de saúde públicos e privados conveniados e contratados pelo SUS.  

Tanto a definição quanto o número de profissionais envolvidos e seus diferentes tipos de vínculo sinalizam a enorme complexidade da gestão do trabalho no SUS. Entre as iniciativas do Ministério da Saúde, a criação da Comissão para Discussão e Elaboração de Proposta de Carreira no Âmbito do SUS, em janeiro de 2024 é estratégica, recolocando as carreiras no centro do debate.  

O Professor Hêider Pinto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), apresentou a análise de potencialidades e limitações em algumas experiências inovadoras de gestão do trabalho no SUS. A primeira foi a do município de Aracaju, no âmbito da administração direta. Ainda que tenha obtido avanços no contexto de uma gestão bem avaliada, a complexidade da relação entre Executivo, Câmara de Vereadores e diferentes corporações acabou por levar à estagnação e perda de ganhos alcançados. 

Uma outra experiência apresentada foi a da carreira para a APS na Fundação Estatal de Saúde da Família do estado da Bahia. Ainda que a fundação pública tenha permitido flexibilidade maior que a administração direta, a inadimplência dos entes envolvidos  levou a perdas e ao esvaziamento da proposta. Uma terceira experiência abordadaforam os consórcios interfederativos estabelecidos no Ceará, a partir de 2010, e na Bahia, desde 2017, envolvendo o ente estadual e os municípios na criação de unidades de atenção especializadas de bases regionais. Os consórcios interfederativos têm obtido avanços importantes, creditados à presença decisiva do ente estadual e aos mecanismos de anti-inadimplência instituídos.  

Considerando a enorme quantidade de trabalhadores e categorias profissionais envolvidas, as questões da interprofissionalidade e da multiprofissionalidade, os conflitos acerca de concepções de gestão e própria natureza do trabalho em saúde, é possível perceber a dimensão do desafio da constituição de carreiras. O Professor Gastão Wagner, da UNICAMP, destacou que a criação de carreiras é parte de um movimento de valorização do SUS, um desafio político e técnico que ao mesmo tempo deve considerar e pensar a viabilidade administrativa e financeira.  

Um projeto “maximalista”, que considere onde se quer chegar, com a definição de objetivos intermediários coerentes com o objetivo final, foi defendido pelo professor. Ness projeto, não haveria sentido pensar carreiras de forma desconectada das necessidades de saúde da população, sem considerar o usuário. 

Ao mesmo tempo, carreiras no SUS devem ser necessariamente integradas, o que pressupõe uma nova relação com o federalismo, com centralização de diretrizes nacionais e gestão cotidiana do trabalho descentralizada. Uma outra possibilidade seria a instituição de carreiras para áreas específicas de atuação, como, por exemplo, para a atenção primária, produzindo efeito demonstração e acumulação progressiva para a pauta.   

No decorrer do seminário, a partir das apresentações das mesas e dos debates dos grupos, os participantes defenderam a constituição de uma carreira única no SUS com diretrizes nacionais, descentralização da gestão cotidiana do trabalho, papel federal preponderante e financiamento tripartite. Considerando os grandes desafios apresentados para tal fim, a constituição de carreiras, no plural, representa um caminho estratégico. Nesse sentido, destaca-se a criação de  carreiras por nível de atenção, iniciando-se com a APS, tendo em vista o diálogo que este nível de atenção estabelece com a população, sendo um caminho para ampliar a base de apoio social 

Outras propostas envolveram a criação de autarquias ou de agências públicas, com alocação de fundos específicos para a gestão das carreiras; e a definição de atributos de mobilidade e dispositivos que contemplem especificidades loco-regionais. Ao mesmo tempo, o Seminário evidenciou que a discussão de Carreiras no SUS, baseada no reconhecimento da centralidade do trabalho em saúde, não pode ser separada de outras questões estratégicas, como o financiamento do sistema e a construção efetiva da regionalização. 

Confira o conjunto de propostas no relatório técnico produzido a partir do seminário.

Organizado pelo Observatório do SUS em parceria com a Abrasco, o seminário “Carreiras no SUS: Obstáculos e Alternativas“ foi realizado em 11  de março de 2024 no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). O encontro foi o terceiro do ciclo de seminários temáticos sobre os desafios do SUS.  

Expositores:  

  • Isabela Cardoso de Matos Pinto
    Secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde
  • Ronaldo Teodoro
    Professor Associado do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ)
  • Sábado Nicolau Girardi
    Coordenador da Estação de Pesquisa de Sinais de Mercado e do Observatório de Recursos Humanos e Saúde do NESCON/UFMG
  • Gastão Wagner de Sousa Campos
    Professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da FCM/Unicamp
  • Hêider Pinto
    Professor da Universidade Federal da Bahia
  • Luciana Gouvêa Viana
    Diretora de Gestão de Pessoas da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

Coordenadoras das mesas temáticas: 

  • Marcia Teixeira
    Professora e pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento da ENSP
  • Janete Castro
    Professora associada do Departamento de Saúde Coletiva da UFRN e coordenadora do GT Trabalho e Educação da Abrasco

Assista à transmissão completa das palestras do seminário

Publicado em: 11 de junho de 2024

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